TUDUM 1x01: A Netflix é o Cara!
Essa é a transcrição do primeiro episódio do podcast “TUDUM: Como a Netflix mudou o jogo”, um produto produzido por Arthur Albano, João Pedro Maia e Odara Creston para a disciplina de Cultura e Linguagem das Mídias do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Ceará, a UFC.
Para escutá-lo, clique aqui.
Imagine esse cenário. Você quer ver um filme. O que você faz? Abre a televisão, liga seu celular, computador ou notebook e na maioria dos aparelhos essa vontade é saciada por um streaming. O ano é 2023 e estamos no que os portais norte-americanos chamam de “A Guerra dos Streamings”. São tantas opções que você fica até perdido. Sente-se desnorteado com tanta oferta de conteúdo digital. Em meio a esse turbilhão, há um streaming que é conhecido pelo acervo e conforto.
Agora imagine o mesmo cenário. Você quer assistir a um filme que saiu de cartaz nos cinemas. O que você faz? Procura por um DVD. Sim, uma mídia física. O cenário é ambientado no final dos anos 90.
O que esses dois cenários têm em comum? A resposta é simples. Uma empresa que mudou o mercado de forma definitiva e instaurou um novo modelo de consumo de mídias digitais. O streaming mais conhecido de todos. Um streaming para todos governar. A Netflix.
Olá, meu nome é Odara Creston e você está ouvindo o “Tudum: Como a Netflix mudou o jogo?”, um produto da disciplina de Cultura e Linguagens das Mídias do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, a UFC, produzido em conjunto com meus colegas Arthur Albano e João Pedro Maia.
Para entender o tamanho do impacto que a startup causou no modelo de consumo de mídia no mundo, é preciso analisar como ela foi criada. Nesse primeiro episódio, irei guiar você em uma viagem que começa em 1997. Um ano antes do lançamento da Netflix no mercado empresarial dos Estados Unidos. É lá que vamos compreender porque a frase, “Isso não vai funcionar”, marcou tanto a carreira de Marc Randolph, o co-fundador da empresa.
Esse também é um conto que espelha a história de Davi e Golias. Dadas as devidas comparações, a Netflix é como Davi, que surge desacreditada, mas que consegue triunfar sobre um inimigo gigantesco, a rede de locadoras Blockbuster. O embate entre as duas é um reflexo de como as empresas precisam se adaptar ao mercado e às tecnologias, e conhecer essa história é essencial para a compreensão da nossa atual cultura de consumo midiático.
Então, se preparem e vamos fazer uma breve viagem no tempo.
[Começa a tocar o instrumental de The Verve — Bitter Sweet Symphony]
O ano era 1997. A música Bitter Sweet Symphony do grupo The Verve se tornava um clássico instantâneo. Era nesse cenário que dois empresários tentavam encontrar uma boa ideia. Em seu livro de memórias intitulado de “Isso Nunca Vai Funcionar” em tradução portuguesa, o co-fundador da Netflix, Marc Randolph, relembra no primeiro capítulo:
Há uma história popular sobre a Netflix que diz que a ideia veio de Reed depois que ele pagou uma taxa de atraso de 40 dólares na Blockbuster. Então, ele pensou: E se não houvesse multas por atraso? E BOOM! A ideia do Netflix nasceu.
Essa história é linda. É útil. É, como dizemos em marketing, emocionalmente verdadeira. Mas, como você verá neste livro, não é toda a história. Sim, havia uma cópia atrasada da Apollo 13 envolvida, mas a ideia da Netflix não tinha nada a ver com multas por atraso — na verdade, no início, até cobrávamos.
Mais importante, a ideia da Netflix não surgiu em um momento de inspiração divina — ela não veio até nós em um piscar de olhos, perfeita, útil e obviamente correta.
Epifanias são raras. E quando aparecem nas histórias de origem, são muitas vezes simplificadas demais ou simplesmente falsas. Gostamos desses contos porque eles se alinham com uma ideia romântica sobre inspiração e genialidade. Queremos que nossos Isaac Newton ‘s estejam sentados sob a macieira quando a maçã cair. Nós queremos Arquimedes em sua banheira.
Mas a verdade geralmente é mais complicada do que isso.
O que Marc Randolph quis dizer é que a ideia da Netflix não surgiu apenas da liberdade de taxas de atraso. Na verdade, segundo o próprio, ela surgiu da ideia de shampoos personalizados. Sim, isso mesmo que você ouviu. Shampoos. Faz sentido quando se conhece a história completa, e ela começa quando Marc Randolph conhece Reed Hastings, o homem que mudaria sua vida.
O cruzamento desses dois empresários não poderia ser mais comum. Reed Hastings comprou a empresa na qual Randolph trabalhava. Ambos eram do ramo de desenvolvimento de softwares. Durante uma viagem de avião, Reed chegou para Randolph e pediu sua passagem. Em poucos minutos, os dois estavam na primeira classe discutindo negócios. Em seu livro, Marc Randolph conta que foram cinco horas e meia de conversa em que ele mal abriu a boca, mas que terminou com ele tornando-se um admirador de Reed pela forma analítica como ele enxergava seus negócios. Nascia ali uma parceria que mudaria o mundo.
Aqueles dois homens ansiavam por liberdade, e por isso decidiram criar um negócio para eles mesmos. Antes, porém, era preciso ter uma ideia. Randolph era o cara das ideias, Reed era quem as executava. Se Randolph dizia “vamos fazer comida de cachorro personalizada para vender online”, Reed respondia “e se o cachorro morrer?”. Era testando cada hipótese que os dois viam quais ideias se sustentavam e quais eram absurdas. Incluindo a do shampoo personalizado.
Em uma reunião, Randolph teve o estalo. Ele precisava de um produto que já existisse, mas que a sua empresa ajudasse o público a ter acesso de forma online. Jeff Bezos já havia feito isso com livros. Reeds também sabia que o comércio digital era o futuro. Agora era questão de encontrar o produto perfeito. Randolph sugeriu fitas VHS. Filmes eram uma boa mercadoria. O problema é que elas eram pesadas e custosas. Dois fatores que inviabilizavam a entrega por meio dos correios. No entanto, esse era o caminho… Eles só precisavam encontrar um tipo de mídia física perfeito para o formato de negócio que queriam.
Em um jantar com sua esposa, Randolph contou sua ideia empolgado. A resposta veio como um soco. Primeiro de tudo, disse Loraine Kiernan, você manchou sua blusa com molho. Segundo, isso nunca vai funcionar.
Talvez sua esposa estivesse certa, pensou Randolph. Aquele modelo nunca funcionaria com fitas VHS.
Em uma pesquisa de mercado, Christina Kish, uma colega de trabalho de Randolph, falou sobre os Discos de Vídeos Digitais, ou abreviando DVD’s. No entanto, em janeiro de 1997 esse tipo de mídia era encontrado apenas no Japão, e mesmo se houvesse algum nos Estados Unidos, não havia ainda aparelhos reprodutores para venda.
Problema que foi resolvido em 1 de março de 1997, data em que os primeiros aparelhos reprodutores de DVD foram postos à venda no país. Em 18 de março, iniciou-se a venda dos primeiros filmes em DVD. O estúdio Warner Bros foi responsável pelo primeiro lote que englobava 32 filmes.
No livro, Marc Randolph fala o seguinte no capítulo três:
Tome nota disso: disco de tamanho compacto. Isso foi o que me chamou a atenção. Um CD era muito menor do que uma fita VHS. E muito mais leve. Na verdade, ocorreu-me que provavelmente era pequeno e leve o suficiente para caber em um envelope comercial padrão, exigindo nada mais do que um selo de 32 centavos de dólar para enviar.
Randolph tinha a ideia. Venda e aluguel online. E agora ele tinha a mídia que precisava, o DVD. Com a ajuda de Cristina Kirch, elaborou uma apresentação de meia hora para Reed Hastings e terminou com um desafio. Se ele mandasse um CD para a própria casa pelos correios e ele quebrasse durante o trajeto, então Randolph desistiria da ideia. Se o CD chegasse intacto, então eles teriam uma ideia pronta para ser executada.
“Tudo bem”, disse Reed aceitando o desafio.
Quando o CD chegou intacto, Randolph respirou aliviado. Tchau, tchau comida de cachorro personalizada. Até mais, shampoo! Era hora de focar nos DVD’s. E para vender uma ideia, é preciso atribuir valor a ela. Ainda que custasse apenas 32 centavos de dólar para o envio de um CD/DVD pelos correios, Reed e Randolph avaliaram toda a sua ideia em três milhões. Agora eles tinham um valor para se basear, e com ele, era hora de correr atrás de investimento e de pôr em prática o que ainda parecia apenas uma ideia abstrata.
Felizmente, Reed era o que se chamava de “investidor anjo”. Ele tinha o dinheiro para pôr na ideia. Enquanto Randolph tinha o tempo. Unindo ambos, era hora de efetivamente criar algo.
Em novembro de 1997, eles tinham um escritório. Os funcionários contratados se empenhavam na missão de criar um acervo para o lançamento da empresa. Para isso, compravam até 500 cópias de um mesmo DVD. O Website estava em estado semi funcional e eram testados diariamente diversos materiais para que o envio dos DVD’s fosse realizado da maneira mais segura possível. Reed e Randolph tinham até mesmo uma data para o lançamento. 10 de março de 1998. O que eles não tinham ainda era um nome.
Kibble.
O nome de testes era o mesmo da ideia de comida de cachorro. Sobre esse nome, Randolph lembra:
Certa vez, Steve Kahn me aconselhou que quando chegasse a hora de escolhermos nosso nome beta, eu deveria escolher algo tão ruim que não fosse possível usá-lo de verdade. “Seis meses depois”, disse ele, “e você estará tão frito que vai querer apenas dizer: ‘Dane-se, vamos manter o nome beta’. Mas se você escolher algo tão terrível que é obviamente impossível — MeDêSeuDinheiro.com — por exemplo, aí então você será forçado a inventar algo novo.
Para resolver o problema, Randolph convocou uma reunião. Eles precisavam escolher um nome. Aqui reproduzo a lista final dos nomes após a reunião:
- TakeOne
- TakeTwo
- SceneOne
- SceneTwo
- Flix.com
- Fastforward
- NowShowing
- Directpix
- Videopix
- E-Flix.com
- CinemaCenter
- WebFlix
- CinemaDirect
- NetPix
E por último NETFLIX.
Claro, a escolha não foi instintiva. A última opção correspondia a todos os critérios de disponibilidade e era sonoramente interessante, ainda que lembrasse muito o nome de sites pornô da época por causa do “Flix”. O X no fim também não ajudava. A solução foi recorrer à boa e velha democracia. Netflix venceu por voto da maioria. Agora, eles eram efetivamente uma empresa pronta para concorrer com a maior rede de locadoras da época. A temida Blockbuster.
Comercial da Blockbuster de 1988:
O mundo dos negócios é como o oceano. Você pode afundar, você pode ser fatalmente mordido por um tubarão, ou seja, ele é assustador.
A necessidade capitalista de evoluir e ofertar cada vez mais, ocasiona uma aceleração exagerada de ideias e execuções no mundo dos negócios.
O que você acabou de ouvir antes dessa narração é um comercial do ano de 1998 da Blockbuster. No ano 2000, Reed Hasting sussurrou no ouvido de Marc Randolph uma afirmação.
“A Blockbuster é mil vezes maior do que nós”
Os dois aguardavam uma reunião com John Antioco, CEO da Blockbuster. Na época, a Netflix tinha trezentos mil assinantes e contava com cem funcionários. A expectativa era vender a empresa para que ela se tornasse um dos braços da Blockbuster, representando-a no ramo online de aluguel de filmes.
Ao perguntar quanto teria que pagar pela Netflix, John Antioco recusou categoricamente. A proposta de cinquenta milhões parecia exagerada. Mal sabia ele que estava cometendo o maior erro da sua vida. Sobre esse momento, Reed Hastings comenta o seguinte na introdução do seu livro A Regra é Não Ter Regras:
Em 2002, dois anos após aquela reunião, abrimos o capital da Netflix. Apesar do nosso crescimento, a Blockbuster ainda era cem vezes maior do que nós (5 bilhões contra 50 milhões de dólares). Além disso, a Blockbuster era propriedade da Viacom, que na época era a empresa de mídia mais valiosa do mundo. Em 2010, contudo, a Blockbuster declarou falência. Em 2019, apenas uma única locadora de vídeo da rede ainda permanece aberta — em Bend, Oregon.
O destino da Blockbuster é algo que acontece de tempos em tempos. Para uma empresa prosperar, ela precisa dominar o mercado e comprar ou eliminar seus concorrentes faz parte do processo. Assim como a BlackBerry, empresa de telefones móveis que revolucionou o mercado nos anos 90, faliu por não conseguir acompanhar a evolução tecnológica como sua concorrente, a Apple, a Blockbuster errou em não enxergar o potencial que a Netflix tinha em suas mãos.
Alugar filmes online era apenas o começo. Eles podiam fazer muito mais. Só que durante uns bons anos, as duas empresas eram concorrentes diretas.
Enquanto a Blockbuster ganhava dinheiro com o modelo clássico de aluguel, cobrando por taxas de atraso e tudo mais, a Netflix caminhava no sentido oposto. Lembra da história lá do começo em que Reed Hastings se zangou por pagar uma taxa de atraso de 40 dólares? Ela pode não ter sido a responsável pela criação da ideia por trás da empresa, mas com toda certeza influenciou na decisão de criar um plano de assinatura.
Por 15,95 qualquer norte-americano poderia alugar até quatro filmes do acervo da Netflix sem data de vencimento ou taxa de atraso. Assim que devolvesse, poderia alugar mais filmes e até entrar em uma fila de espera por títulos de seu interesse.
O sistema não era tão eficaz quanto alugar um DVD na Blockbuster, já que dependia dos correios, mas foi abraçado pelo público mesmo com esse grande porém. A Forbes explica um pouco sobre esse comportamento em seu artigo “Uma retrospectiva de por que a Blockbuster realmente falhou e por que não precisava” escrito por Greg Satell em 5 de setembro de 2014.
Os cientistas da rede chamam isso de modelo de limiar do comportamento coletivo. Para qualquer ideia, haverão pessoas com diferentes níveis de resistência. À medida que os mais dispostos começam a adotar o novo conceito, os mais resistentes tornam-se mais propensos a aderir também. Sob as condições certas, pode ocorrer uma cascata viral.
Segundo o site FundingUniverse.com, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2011, as assinaturas da Netflix dobraram devido ao medo dos norte-americanos de sair de casa e ao baixo preço dos aparelhos reprodutores de DVD.
A ascensão da empresa continuou quando ela bateu um milhão de assinantes em 2003. Dois anos depois, em 2005, eles já enviavam um milhão de DVD’s por dia de um catálogo de mais de trinta e cinco mil títulos. Esses eram indícios que a Netflix fazia parte das raras empresas que se estabeleciam como parte permanente do mercado.
Em 2004, John Antioco notou que a Netflix havia se tornado uma ameaça real para a Blockbuster, mas foram suas ações para lidar com a situação que selaram o destino da empresa.
Em artigo escrito para a Harvard Business Review em abril de 2011, John Antioco reflete sobre sua experiência como CEO da Blockbuster.
Anteriormente, o negócio do vídeo era movido pela espontaneidade. Você não tinha planos para a noite, então decidia ficar em casa e alugar um filme. Não tínhamos certeza se um modelo no qual você gerenciava suas seleções por meio de uma fila e recebia um filme pelo correio alguns dias depois iria pegar. Mas, em agosto de 2004, entramos de cabeça no negócio online. Alguns meses depois, fizemos uma mudança drástica ao eliminar as multas por atraso, que sempre foram um grande incômodo para os clientes. Esses movimentos colocaram a Blockbuster de volta no modo de crescimento.
Quando tomamos essas iniciativas, a Viacom ainda possuía cerca de 80% de nós. Estávamos planejando gastar 200 milhões de dólares para lançar a Blockbuster Online e outros 200 milhões para eliminar multas por atraso. A Viacom achou que esses investimentos não faziam sentido para sua própria estratégia, então vendeu sua participação na Blockbuster, que passou a ser de capital aberto. Nossas ações caíram devido ao investimento planejado de 400 milhões — e isso preparou o terreno para a luta por procuração.
A liderança de John Antioco foi questionada pelo investidor Carl Icahn, que junto com Jim Keyes, decidiu que era melhor que Antioco saísse da Blockbuster. Com a saída de Antioco, os planos para a Blockbuster Online foram abortados. Jim Keyes se tornou CEO da Blockbuster logo em seguida.Seus planos eram todos voltados de volta às lojas físicas, que começaram a ofertar o mesmo serviço que a Netflix com quase dez anos de diferença.
Comercial “Blockbuster vs Netflix” de 2007:
O que você acabou de ouvir é um comercial do ano de 2007 da Blockbuster, divulgando seu novo sistema de aluguel com o slogan “Movies through the mail plus movies through the store. One low price”, que em tradução direta significa “Filmes pelo email mais filmes pela loja, um preço baixo.”
Ainda que corresse atrás do prejuízo, àquela altura a Blockbuster já estava condenada. Sua história não era de um assassinato cometido pela Netflix, mas de um suicídio planejado pelo seu próprio CEO.
Tudo isso porque no mesmo ano, em 2007, a Netflix já dava um passo para o futuro. Era a hora do “streaming on demand”. O que isso significava? Que você poderia assistir um filme no conforto da sua casa pelo site da empresa.
Comercial da Netflix de 2011:
Assim como conta o jornalista Daniel Roth em seu artigo para o site Wired intitulado “Netflix em todos os lugares: Perdão cabo, você é história” publicado em 21 de setembro de 2009, Reed Hastings tinha uma decisão difícil para tomar.
O empresário queria transmitir qualquer filme disponível em seu acervo por streaming, de forma a eliminar a mídia física.
Para isso, ele havia começado a gravar anúncios e a fazer testes beta no que chamava de “Netflix Player”, um hardware próprio que estava sendo testado sob a alcunha de Projeto Griffin. Ele funcionaria mais ou menos como um Chromecast, mas poucas semanas antes do seu anúncio oficial, o projeto foi inteiramente descartado. Ao invés disso, Reed fez outro anúncio, citando o artigo de Daniel Roth.
Em vez de projetar seu próprio produto, a Netflix incorporaria seu serviço de streaming de vídeo em dispositivos existentes: TVs, DVD players, consoles de jogos, laptops e até mesmo smartphones. A Netflix não seria uma empresa de hardware; seria uma empresa de serviços. A multidão ficou atordoada. Em meia hora, Hastings reinventou completamente a estratégia da Netflix.
A decisão era estratégica. Ao se utilizar de um hardware próprio, como Reed Hastings ia conversar com Steve Jobs para colocar a Netflix dentro da Apple? A decisão se mostrou uma das mais acertadas e conseguiu alavancar a empresa para o futuro, enquanto a Blockbuster definhava do outro lado da moeda.
O Projeto Griffin, no entanto, conseguiu uma sobrevida ao ser movido para outra empresa de Reed Hastings, a Roku. Lançado no ano seguinte, ele conseguiu emplacar o aparelho sem atrelá-lo a marca da Netflix, matando dois coelhos com uma cajadada só.
A decisão de apostar no streaming, no entanto, não foi tomada por impulso. Em 2000, Reed contratou uma equipe de engenheiros para criar um serviço que baixasse filmes pela internet. Demorava apenas 16 horas para baixar um filme de 120 minutos. Reed encerrou o projeto e desfez a equipe. Em 2003, houve uma nova tentativa. Dessa vez a partir de um pequeno computador Linux conectado a internet. Custava trezentos dólares e conseguia baixar um filme em duas horas. Reed mais uma vez encerrou o projeto. Pragmático e racional, ele ainda não enxergava aqueles testes como a oportunidade perfeita.
Como o próprio Daniel Roth fala em seu artigo:
Não foi até 2006 que ele tentou novamente. A essa altura, o problema do download longo havia sido resolvido pela adoção generalizada da banda larga entre os consumidores. Enquanto isso, a disseminação do YouTube acostumou os usuários com a ideia de transmitir conteúdo em vez de baixá-lo e salvá-lo. Então, Reed montou outra equipe de engenheiros, que desenvolveu uma maneira de navegar em redes domésticas não confiáveis, permitindo que as taxas de bits mudassem no meio do caminho para manter a melhor qualidade de imagem com o mínimo de impacto.
Em janeiro de 2007, o problema havia sido resolvido. A Netflix possuía um aplicativo para transmitir filmes online, mas precisava disponibilizá-lo em algum lugar. Para isso, a empresa recorreu à Microsoft, que embutiu o aplicativo da Netflix nos aparelhos de XBOX, permitindo a adesão de mais usuários. A parceria se mostrou como um sucesso e logo após, Reed fechou acordos com a Sony e a Samsung para colocar o aplicativo também nas televisões, iniciando assim uma cascata de popularização da empresa.
No entanto, Daniel Roth relembra que havia outro desafio.
Com os fabricantes de dispositivos a bordo, Hastings teve uma tarefa ainda mais difícil. Ele precisava de mais e melhor conteúdo. A interface pode ser a mais elegante do mercado, mas ninguém sintonizaria o serviço da Netflix se ele tivesse apenas filmes do catálogo anterior e programas de TV antigos. Em outras palavras, a Netflix precisava de Hollywood.
Foi para conquistar Hollywood, que Reed Hastings convocou Ted Sarandos, a quem ele descreve no capítulo dois do seu livro da seguinte maneira:
Ted é responsável por todos os programas de televisão e filmes disponíveis na Netflix. Ele desempenhou um papel fundamental na reformulação da indústria do entretenimento e é frequentemente descrito como uma das pessoas mais importantes de Hollywood. Ted não é um típico magnata da mídia. Ele não terminou a faculdade, tendo adquirido sua cultura cinematográfica trabalhando em locadoras do Arizona
Agora, como um homem que não terminou a faculdade se tornou uma das pessoas mais influentes de Hollywood? Isso você descobre no nosso próximo episódio. Nele, vamos descobrir como a Netflix trabalhou estratégias para criar e licenciar conteúdo, e adentrar um pouco do seu algoritmo. Vamos contar a história de como um candidato a presidente corrupto e um bando de presidiárias mudaram a forma de assistir séries.
[Começa a tocar “You’ve Got Time” da Regina Spektor.]